No primeiro semestre de 2019, o presidente Jair Bolsonaro anunciou pelas redes sociais, que faria uma redução de 90% nas Normas Regulamentadoras (NRs) de Segurança e Saúde no Trabalho. Esse anúncio gerou uma série de opiniões conflitantes, nós mesmos do IBG, demonstramos a nossa revolta, mesmo antes de analisar o contexto e as propostas a serem apresentadas. O que foi um erro da nossa parte, toda e qualquer alteração deve ser analisada sobre os resultados que serão obtidos.
Dessa forma, no momento de transformações que vivemos em termo da legislação relativa à Segurança e Saúde no Trabalho do Brasil. Distantes dos debates a partir apenas das questões políticas cremos que exista a necessidade de olhar com mais detalhe alguns aspectos de forma mais profunda e isenta de paixões.
Em setembro de 2019 através da Medida Provisória 905 ocorreram algumas alterações nas legislações trabalhistas e previdenciárias – entre elas a revogação do artigo 21, inciso IV, letra D – o qual equiparava o acidente de trajeto ao acidente de trabalho. Tal mudança – comemorada por muitos segmentos da sociedade – na nossa forma de ver não pode ser analisada de forma superficial – tanto no que diz respeito a sua existência na forma que todos conhecíamos e que, com certeza, gerava para as organizações uma responsabilidade difícil de ser compreendida – como pela sua total revogação, deixando de considerar situações e casos que claramente podem e devem ser equiparados ao acidente do trabalho. Não se trata aqui de defender a manutenção pura e simples da “figura” do acidente de trajeto, tal como existia, mas sim de chamar a todos para uma reflexão de situações que com certeza precisam ter definição e amparo legal – especialmente por serem diretamente associadas a relação de emprego.
Se a partir de um ótica mais ampla e voltada a proteção social existiu o entendimento que um acidente dentro de um transporte público coletivo, um assalto a caminho do trabalho ou mesmo um acidente de transito com veículo próprio deveriam ser considerados responsabilidade das organizações – sempre houve, também, o questionamento quanto a impossibilidade de que as organizações, não tendo como agir para evitar tais ocorrências, não poderiam então por elas serem responsabilizadas e isso, com certeza, desde muito, é consenso entre especialistas em prevenção. De certa forma para esses casos não existem interferências e ações que por extensão se enquadrem dentro do conceito clássico de acidente do trabalho.
No entanto, para aqueles que lidam diretamente com as questões prevencionistas há alguns casos – que, com certeza, representam pequena parte nas estatísticas dos acidentes de trajeto que tem entre suas causas, de forma direta ou indiretamente, a participação, ação ou omissão das organizações e que por isso e dessa forma deveriam ser consideradas no âmbito de acidentes do trabalho. Exemplo disso são as organizações que oferecem transporte aos seus empregados, muitas das vezes em veículos precários e inseguros, conduzidos por motoristas fatigados pelo excesso de jornada – fatores esses que independem da escolha dos empregados. Da mesma forma, organizações que se instalam em localidades ermas e distantes que por isso obrigam que os empregados desloquem-se em condições adversas – ou ainda situações de prolongamento das jornadas que por si, e não obrigatoriamente, podem expor a riscos maiores pela ausência de transporte público, pelo cansaço na condução de veículos – entre outras coisas.
Nos parece sim necessária a desvinculação da responsabilidade total, irrestrita e sem critérios quanto ao acidente do trajeto. No entanto, entendemos que não se pode desconhecer que determinadas situações – tais como as que apresentamos como exemplos anteriormente – precisam de definição e amparo legal coerentes e pertinentes com a legislação e conceitos e capazes de caracterizar responsabilidade.
Nós, do INSTITUTO BRASILEIRO DE GESTÃO, entidade constituída por especialistas em prevenção e cientes da sua responsabilidade na forma mais ampla, gostaríamos de chamar a atenção de nossas autoridades e nossos representantes legais no sentido de analisarem de forma mais profunda o assunto e que se busque não a revogação do artigo mas a sua adequação de forma a deixar clara a existência de responsabilidade nos casos onde ela de fato se aplique.
Celso L. Oliveira – Diretor
Cosmo Palasio de Moraes Junior – Diretor